O menino de 14 anos perambulava na madrugada vendendo flores. Sua renda ajudava a mãe e os irmãos a comerem carne uma vez por mês e feijão uma vez por semana.
A mãe queria que ele estudasse, mas não era possível . A fome falava mais alto. Ela era lavadeira, largou o ofício porque suas mãos começaram a tremer, início do Parkinson.
A irmã caçula era do colo , a irmã do meio tinha só 9 anos. Tudo estava concentrado nas costas do menino que vendia flores.
Flores são bonitas , a miséria é feia.
Já fazia 3 anos que o vendedor trabalhava com Flores . No começo não vendia nada , era apressado , tentava vender de qualquer jeito e quando levava um não , mudava o discurso e pedia uma ajudinha… Chegava até a chorar, no começo de safadeza, mas depois o pranto se juntava as marcas reais de uma vida periclitante.
Quase ninguém ajudava. Uma vez tentou vender flores para um vendedor de cervejas (ele estava de uniforme ), na mesa trocava carinhos com uma garota. O menino logo o abordou : “compre uma flor para essa bela dama”.
Não tenho dinheiro.
– Então, o doutor poderia me dar uma ajuda ?
Menino, ou você vende ou você pede esmola. Chispa daqui!
Humilhado , massacrado , uma lágrima desceu do canto do olho. Queria vender , só não sabia COMO.
Estava cansado , com fome , vez ou outra pegava restos de comida da mesa de um cliente que acabara de pagar a conta. O garçom gritava: “saia daqui, maloqueiro”.
Meses depois o mesmo vendedor de cervejas estava no barzinho , dessa vez uma garota diferente: ruiva , peitos grandes , sorriso infantil e aquele furinho da bochecha irresistível.
O garoto se aproximou , mesma abordagem , dessa vez o vendedor queria impressionar a garota, puxou uma nota de 5 reais e comprou a flor.
O menino sorriu aliviado, embolsou o dinheiro – e quando já ia embora a garota o chamou de volta.
“O vendedor de cervejas estranhou, por que isso , amor”?
– Ele é tão miúdo , percebe-se que tem vontade , mas não sabe vender. Ensine-o !
Aquela mulher sabia o que era empatia , não era apenas gata , era justa.
O vendedor de cervejas já tinha tomado umas três doses de johnnie walker, estava alegre e pediu pra o garoto sentar e ouvir.
Falou de abordagem, de como ele deveria se vestir , também disse qual o melhor momento para vender e como deveria responder as objeções dos clientes. Uma mini-aula em plena madrugada.
Você queria uma ajuda , moleque ! Agora você está pronto pra vender muito mais.
O menino nunca havia escutado aquilo , vendia no puro instinto , era um jogo de sobrevivência , por isso trabalhava madrugada a dentro até conseguir algum dinheiro para família.
No outro dia o menino começou a abordar os casais no exato momento do beijo. Nada de oferecer rosas vermelhas enquanto o casal estivesse comendo espetinhos de carne com a mão.
Ele também desenvolveu um olhar treinado para perceber os homens bêbados, que após sua orgia etílica se transformavam em barões endinheirados.
As objeções não faziam nem cócegas no garoto, ele sempre colocava o sorriso no rosto e respondia com maestria.
– Não quero flores , menino! A gente está nesse momento acabando nosso relacionamento.
“Amores intensos , fins violentos , que pelo menos vocês tenham uma despedida com Flores para guardar a parte doce da lembrança”.
Ele vendia pra casais de todos os tipos , não subestimava ninguém , tinha aprendido que o amor existia em várias frentes e de diferente formas.
Está esperando alguém , doutor ?
-Estou sozinho , não quero florzinha.
“Flores são a porta de entrada para novas amizades , compre uma flor que entregarei com prazer para qualquer pessoa aqui do bar que o doutor apontar , e ainda como bônus , recitarei uma poesia”.
O menino nunca mais pediu uma ajudinha, nunca mais pediu esmolas , ensinou o ofício a irmã do meio que começou a acompanhá-lo vendendo doces…
Essa é uma história sobre o impacto que você pode ter ao ajudar uma pessoa com o seu conhecimento.
Após 05 anos vendendo flores e doces, o menino fez um teste para vaga de vendedor externo em uma cervejaria.
A pergunta decisiva do gestor foi: “por que devemos contratar você “?
“Porque eu sou aquele menino que fez a escalada da montanha da vida, removendo pedras e plantando flores”. Cora Coralina
